Pela primeira vez neste espaço, trago uma entrevista. É com Adriana Vasques, cantora, compositora, pianista e artista plástica italiana e que vive aqui em Londres há uns bons anos. Logo após a entrevista, pra quem se animar, eu conto minha história com ela em 5 pequenos fragmentos.
A Adriana protagoniza essa edição da newsletter por 3 razões: a primeira é artística, ela faz um trabalho musical muito interessante e que eu acho que mais gente deveria conhecer. O novo disco dela, "About Time", saiu no Brasil pelo meu selo Pequeno Imprevisto, porque realmente acredito na força deste trabalho, e também porque acredito na seriedade em como ele é feito.
A segunda razão é afetiva: embora eu tenha estado com ela poucas vezes, sempre me senti bem ao seu lado, como se ela fosse uma amiga de outros tempos. Um dia, estávamos conversando sobre coisas de trabalho, e ela me disse: "Pode me falar diretamente o que você acha sobre isso. Eu sou italiana. Eu aguento sinceridade!". Me soou muito bem. Nesta terra em que ser polite é mais bem visto do que ser real, Adriana me pareceu uma exceção à frieza geral da nação, e eu ando carregando as exceções comigo como se fossem aquecedores portáteis. Porque esquentam mesmo!
A terceira é um convite: para quem estiver em Londres nesta quarta, dia 7, Adriana faz o show de lançamento de “About Time” no palco de uma pequena igreja em Hampstead. Ao lado dela, estará uma banda impecável. Os ingressos estão aqui. Para quem não está em Londres, “About Time” está disponível em todas as plataformas.
O meu papo com a Adriana está logo a seguir. As perguntas e respostas foram feitas em inglês, e eu fiz a tradução para o português:
Como foi o processo criativo de About Time?
A ideia do EP começou durante o lockdown. Foi chocante para todos nós, músicos, de repente nos vermos sem o público e sem a mínima ideia de como seria o nosso futuro como artistas. Eu e Chris Franck pensamos que poderíamos responder a isso de forma criativa, e começamos a rascunhar ideias para novas canções que poderiam ser relevantes para este momento maluco da história. Decidimos reunir ideias dentro do que temos em comum em termos musicais: a música brasileira, Beatles, compositores como Crosby, Stills & Nash, Joni Mitchell, Nick Drake, só para citar alguns dos grandes… mas, acima de tudo, mirando um certo de jeito de ser compositor, tentando dizer muito com pouco, usando sons e palavras de forma mínima e profunda. Como o Chris é um maravilhoso compositor e produtor, ele fez com que as minhas ideias e as deles se juntassem num movimento único de texturas delicadas, atmosferas etéreas, batidas sólidas… Todos os músicos envolvidos contribuíram com seus talento e generosidade incríveis para o EP, fazendo desse disco uma das melhores coisas que já me aconteceram!
How was the creative process for About Time?
The idea of an Ep started during lockdown. Shocking as it was for all musicians to find themselves without an audience, and without any idea of what the future would have brought to us as performers, Chris Franck and I thought we could respond through creativity, and started sketching ideas for new songs that would be relevant to the crazy moment in history we were in. We decided to gather ideas within the common grounds we have in music: Brazilian music, the Beatles, songwriters such as CSN, Joni Mitchell, Nick Drake, to say a few greats... but most of all, a certain way of being songwriters, trying to say lots with little, using sounds and words in the perspective of a minimal and in-depth approach. It was a challenge, and we embraced it with enthusiasm from the very beginning. Chris being the wonderful songwriter and producer he is, has made my ideas and his own merge beautifully into one flow of delicate textures, dreamy atmospheres, solid grooves… all the musicians involved have contributed with their beautiful talents and generosity to this, making the Ep journey one of the best things that ever happened to me!
No ensaio, ontem, você disse que o EP (eu não lembro exatamente as palavras que você usou) é “psicodélico e suave" ao mesmo tempo. Como que você chegou nesse conceito?
Psicodélico, etéreo, suave são características presentes nas 5 músicas do EP. Eu acho que a situação surreal em que estávamos trouxe aumentou a parte psicodélica. Trancados nas nossas casas/gaiolas, apenas tendo a comunicação digital para nos relacionarmos uns com os outros, com uma sensação de desastre iminente rondando nossas cabeças por meses… A música é generosa se você está disposto a dar algo para ela, ela te devolve paz, e sempre - ao menos para mim -, uma cura incrível. Criar música é um jeito de construir um lugar tranquilo para se estar, é uma autocura suave a profunda…
At the rehearsal yesterday, you said that the EP (I don't quite remember the words you used) is "psychedelic and gentle" at the same time. How did you come up with this concept?
“Psychedelic” , “dreamy”, and “gentle" are definitely recurring elements throughout the Ep five songs… I guess the surreal situation we were in helped the psychedelic bit! Being locked in our little homes/cages, with virtual communication as the only option to relate to one another, with a sense of imminent disaster hovering over our heads for many months… Music is generous if you are willing to give to it, it gives back peace and is always, at least for me, incredibly healing. Creating music is a way to build a peaceful place to be from scratch, it’s gentle and deep self-healing…
Eu me lembro do Chris ano passado me dizendo que estava trabalhando no seu EP e como as músicas eram fantásticas. Como você conheceu o Chris? E como é sua parceria musical com ele?
Eu conheci o Chris muitos anos trás, logo depois que eu me mudei da Itália para Londres, isso foi há mais de 10 anos. Eu sempre fui fã das bandas dele, Da Lata e Smoke City, e eu acho que a primeira vez que eu vi o Chros tocando ao vivo foi com outro projeto dele, o Zeep. Eu sempre achei o estilo dele único, muito singular e fora da caixa, mesclando diferentes linguagens musicais com um bom gosto incrível e muita musicalidade. Nós começamos a tocar juntos algumas músicas brasileiras, acompanhados de uma banda estelar - uma banda, aliás, que por alguma razão nunca teve um nome, mas que tocou junta toda semana por anos! Em algum momento, o Chris me convidou para fazer parte do Da Lata, o que pra mim foi como um sonho se tornando realidade. Fiquei honrada de fazer parte de uma banda com uma história maravilhosa, que tem tanto para dizer e para dar, musical e pessoalmente falando. Chris me sugeriu ser o segundo tecladista da banda, o que foi algo novo pra mim, e me permitiu contribuir com a música do Da Lata de uma forma ainda mais interessante. Chris também sempre me encorajou a ir fundo na minha criatividade, usando todas as minhas habilidades, incluindo as artes visuais, algo que nunca passou pela minha cabeça compartilhar publicamente. É tão importante ter alguém que acredita em você e que te ajuda a tirar os projetos da gaveta. Eu sou profundamente grata a isso, que considero um verdadeiro presente da vida. Então o EP é uma consequência dessa relação, eu acho… nós nos respeitamos mutuamente como seres criativos, e acaba sendo bem fácil fazer música juntos. Eu sendo mais caótica e viajandona, talvez, e o Chris sendo não apenas um compositor fantástico e corajoso, mas também um produtor excelente, que enxerga o cenário todo, com uma musicalidade e uma sensibilidade incrível, que não deixa nada passar. Um sonho se realizando, literalmente!
I remember last year Chris saying to me that he was working on your EP and how fantastic the songs were. When did you first meet Chris Franck? And how is your musical partnership with him?
I met Chris many years ago, soon after I had moved to London from Italy more than a decade ago. I had been a fan of his bands Da Lata and Smoke City, and I think the first time I heard Chris play live it was with another of his babies, Zeep. I always thought how unique his style is, so personal and “out of the box”, merging musical languages with incredible taste and musicality. We started playing Brazilian tunes together, along with a stellar lineup of musicians, in a band that for some reason never had a name, but played weekly for years! At some point along the way Chris asked me to join Da Lata, and for me it was a dream come true! I was honoured to be part of a band with such an amazing history, and with so much to say and give, both musically and on a personal level. Chris has offered me to be a second keyboard player in the band, which was something I had little experience of, and that has allowed me to contribute to the music in an even more engaging way. Chris has also encouraged me to go deeper into my creativity, and use all of my skills, including the visuals that never crossed my mind as something to be shared… It’s so important to have someone believing in you, and helping things get out of the closet. I’m deeply grateful for what I consider a beautiful gift from life!! The Ep came as a consequence, I guess… we had mutual respect as creatives, and found it really easy to write music and words together; me being more chaotic and “out there” maybe, Chris being not only a fantastic and adventurous songwriter, but also a great producer, focussing on the bigger picture, with incredible musicality and sensitiveness, leaving no space at all for compromise. A dream come true, literally!
Como você descreveria a influência da música brasileira no EP?
Ahhh! Enorme! Todos os músicos envolvidos no EP são completamente apaixonados pela música brasileira. Todos nós em algum momento tocamos juntos no Da Lata e em diferentes bandas e projetos. Quando o Chris e eu estávamos procurando uma música para fazermos uma versão, não poderíamos ir para outro lugar senão para o Brasil! O fato de que escolhemos uma música da Flora Purim, "This is me", é de fato interessante, porque uma das primeiras músicas que aprendi do repertório brasileiro foi uma canção de Tom Jobim interepretada por Chick Corea e participação especial da Flora Purim. É como se os pontos todos se ligassem. Também há algo mágico aí: Flora lançou em 2022 um novo álbum depois de muitos anos, e "This is me" está lá… na hora certa! Que ótima chance pra gente homenagear a Flora!
How would you describe the influence of Brazilian music in the EP?
Ahhh! a big one!!! All the musicians involved in the Ep are totally in love with Brazilian music, all of us have played it together at some point either in Da Lata or in different bands and projects. When Chris and I were mapping out ideas for a song to cover, the choice couldn’t be other than going to Brazil! The fact that it’s a Flora Purim cover, “This is me”, is actually relevant, as the first ever songs I learned from the Brazilian repertoire were quite obviously a Jobim tune, and maybe less obviously a song by Chick Corea featuring the unique and wonderful Flora Purim. It’s like things have come full circle! There’s also some magic here, turns out that in 2022 Flora is back with an album after many years, and “This is me” is in it… perfect timing! What a great opportunity for us to pay tribute to her as an artist!
Há discos (ou músicas), livros, filmes etc que tenham te inspirado na criação de About Time?
"About Time" tem muitas influências… como eu disse antes, as referências musicais são os grandes compositores que foram nossas referências, e que continuam sendo ótimos modelos a seguir. Nós dois achamos que às vezes falta algo mais profundo à música contemporânea, numa replicação de ideias como se fosse um braço girando as bobinas de uma máquina caça níquel. Os movimentos são sempre os mesmos, até que de vez em quando a máquina acerta algo que se transforma em dinheiro. A gente percebeu o quanto sente falta de uma abordagem mais honesta para a música, que respeite algumas coisas, como honestidade intelectual, e no EP a gente tenta celebrar e ao mesmo tempo trazer novas ideias para estes elementos. Essa é a forma de um músico mostrar gratidão… Eu me sinto aliviada quando encontro músicas, livros, filmes que trazem uma visão humana e sincera; há tanto para aprender sobre o mundo, e seria difícil pra mim citar algumas obras que me causaram isso. Eu amo e sou grata a todas elas! Meu intuito é ser capaz de devolver tudo que aprendi com estes artistas, dentro das minhas possibilidades, e tentando adicionar algo meu, como resultado de um processo de interiorização.
Are there any records (or songs), books, movies etc that have inspired you to create "About Time"?
About time has many influences… as I mentioned before the musical references are the great songwriters that built our backgrounds, and that are still great models to have. We both found ourselves thinking that contemporary songwriting is often lacking a deeper element, using replication of musical ideas like it was an arm spinning the reels of a slot machine. Same gesture over and over, sometimes hitting a jackpot that translates into money. We realised how much we missed an approach to songwriting that would respect the right priorities, such as intellectual honesty, and tried to pay tribute to it through new ideas that have metabolised elements of that realm in them. I have a sense of relief when I find music, books, movies, that reflect a honest and uncontainable human expression; there is so much to draw from out there, and it would be difficult for me to isolate a few titles that meant more than others… I love and am grateful to them all! My aim is to be able to give back whatever I learned from the greats within my possibilities, hopefully adding a personal element as a result of a process of interiorisation. That’s the musician’s way to show gratitude…
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1
A primeira vez que vi Adriana Vasques foi dentro da minha casa. Ela estava com o Chris Franck, que tinha passado para visitar a gente naquela manhã de inverno. Lembro que preparei um café brasileiro para os dois. Levei uma xícara para o Chris, que estava em pé no centro da nossa pequena sala, e outra para a Adriana, que se aconchegou perto da janela, e de onde alternava falas animadas e olhares silenciosos para o horizonte. Um pouco depois, nós três entramos em um carro rumo a Notting Hill, eu fui na frente com o Chris e lembro que nos primeiros minutos eu e a Adriana tivemos uma conversa sobre a Itália. A Adriana é italiana. Algumas ruas depois, o assunto passou a ser aquela região de Londres, Northwest, palco de muitas histórias musicais importantes da cidade. A Adriana é cantora, compositora e pianista, e vive em Londres há mais de uma década. Quando o Chris estacionava o carro na Golborne Road, o papo era sobre música brasileira. A Adriana é fã de Chico Buarque, Gal Costa, Flora Purim, Milton Nascimento, Gil e Caetano, e muitos outros.
2
Chris me contou que estava produzindo o novo disco da Adriana. Ele parecia muito empolgado com as músicas e com a sonoridade que estavam criando em estúdio. E me perguntou se eu gostaria de ouvir, e disse que a depender do que eu achasse, eu poderia lançá-lo no Brasil pelo meu selo, o Pequeno Imprevisto. Um dia as músicas chegaram no meu computador, e eu fiquei abismado com a qualidade das composições e da produção. Eram inventivas, elegantes, livres. Soavam calmas e provocantes. Conseguiam ser gringas, brasileiras, italianas, inglesas, folk e samba jazz. Avisei ao Chris e à Adriana que eu lançaria o disco no Brasil com muita alegria.
3
Foi por causa de uma música do disco que fui ver Adriana pela segunda vez. Ela convidou todos que participaram do álbum para uma tarde em sua casa. Fui com a Ju e levamos de presente um LP da Čao Laru, "Libre". Foi um dia alegre, de conhecer pessoas novas, de experimentar comidas e de dar risada em inglês e português. Uma hora, Adriana me levou até o teclado que fica na sua sala e me mostrou a partitura de uma música de Edu Lobo, que ela estava estudando naqueles dias. Depois, apareceu com um quadro pintado por ela - era a capa do single "All Dressed Up". Adriana também é uma ótima artista plástica. Depois nos encontramos numa aula de maracatu e num show que ela e Chris fizeram num pub só tocando músicas brasileiras. Adriana canta muitíssimo bem em português.
4
"About Time", o disco, foi lançado no dia 11/11/22. Tem 5 faixas, sendo duas composições só de Adriana ("b5", com participação de outro amigo, o brasileiro Luizga, e "Bianco"), outras duas em parceria com Chris Franck ("All Dressed Up" e "About Time") e uma versão ("This is Me", da brasileira Flora Purim, uma das grandes referências musicais da Adriana). Além de dividirem a mesma profissão, Flora e Adriana compartilham a experiência de serem imigrantes - Flora se mudou para os Estados Unidos em 1967.
5
Nesta quarta-feira, dia 07 de dezembro, Adriana faz o show de lançamento de "About Time". O concerto acontece dentro de uma pequena igreja no bairro de Hampstead, em Londres. Ao lado dela, estarão Bembe Segue (vocais), Alessia Obino (vocais), Davide Basso (vocais) Paul Booth (sax/flauta), Chris Franck (guitarra), Matheus Nova (baixo), Marcinho Pereira (bateria) e Sam Alexander (percussão). Meu irmão, Nicola, será o técnico de som e eu serei seu assistente.
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Sobre mim: Eu sou Eduardo, o escritor por trás dessa newsletter. Nasci no Brasil e vivo em Londres há dois anos. Eu sou jornalista, curador musical e fundador do selo Pequeno Imprevisto, da empresa de music branding Solar Musicbox e da agência de turnês Yoyomá. Tenho uma conta no Instagram e uma no Linkedin.
About me: I'm Eduardo, the writer behind this newsletter. I was born in Brazil and have lived in London since 2020. I'm a journalist, music curator and founder of the record label Pequeno Imprevisto, the background music company Solar Musicbox and the tour agency Yoyomá. You can follow me on Instagram and Linkedin.